sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Reportagem


Kendell Geers, poster realised for the exhibition .ZA - young art from South Africa, Palazzo delle Papesse in Siena, 2008.



.ZA – Arte Jovem da África do Sul

“É possível falar da África do Sul sem cair na armadilha das banalidades sobre raça, apartheid, colonialismo, classe, pobreza e SIDA?”, pergunta Kendell Geers no seu texto para o catálogo da exposição .ZA – Arte Jovem da África do Sul.
É este o verdadeiro desafio subjacente à exposição realizada pelo Centro de Arte Contemporânea Palazzo delle Papesse, em Siena. Como declarou o seu director, Marco Pierini, o objectivo desta iniciativa era “fotografar” a jovem produção artística do país, em colaboração com artistas mais maduros (Marlene Dumas, Kendell Geers, Bernie Searle, Minnette Vári e Sue Williamson) e a cada um dos quais foi pedido que escolhesse três artistas. Lorenzo Fusi, criador da exposição, juntou-se a eles.
Considerando os trabalhos apresentados, fica claro que os artistas seleccionados não correm o risco de seguir os clichés africanos para serem aceites ou fazerem vendas no estrangeiro. Este interessante conjunto de trabalhos – embora um pouco imaturos – coaduna-se com o local, que é um extraordinário palácio do século XV, com uma sequência de salas e salões e tectos decorados com pinturas do estilo Renascença. A beleza das salas é coroada por um torreão que, para além de proporcionar a melhor vista a 360 graus de Siena, é o sítio onde Galileu teve a sentença comutada e foi colocado em prisão domiciliária depois de renegar a Igreja Católica.
Outro elemento importante é o material iconográfico que os cinco curadores-artistas forneceram para melhorar a imagem da exposição: cinco cartazes dinâmicos e de grande impacto, que cobrem as paredes e o pavimento da sala de entrada. Este ambiente anunciava a actuação central de Johan Thom na cerimónia de abertura: durante quatro horas deitaram-lhe por cima resíduos de vidro e óleo amarelo.
Os co-curadores também escreveram os textos do catálogo para ilustrar a situação actual dos artistas sul-africanos. A análise feita por Kendell Geers dos sistemas culturais do país é especialmente pungente: “Desde o fim do apartheid, a África do Sul tem-se esforçado por enfrentar a sua violenta história, lutando para encontrar um equilíbrio entre construir um futuro e lidar com os desequilíbrios do passado. […] Em vez de celebrar a arte pela sua excelência, a obra de arte foi reduzida a uma demografia politicamente correcta, com ênfase no artesanato tradicional”. Na sua essência, trata-se de acusar as políticas de acção afirmativa que queriam inverter as relações entre pretos e brancos e contra as quais a arte se revoltou.
No entanto, para artistas e escritores brancos, reduzir a distância em relação aos seus homólogos pretos levou muitas vezes à perda de credibilidade e a ser olhados como falando em nome do povo negro oprimido. Com o fim do apartheid, o maior problema dos artistas foi o desaparecimento de um “inimigo” comum, bem como a necessidade de encontrar um novo objectivo para o seu trabalho. Os jovens autores da .ZA, que cresceram na Nação do Arco-Íris de Mandela e Mbeki, parecem ter resolvido este problema de forma positiva, sem sentimentos negativos em relação ao seu antigo inimigo.
A exposição inclui obras de arte sobre as identidades e os locais da África do Sul e salienta as lutas latentes desta sociedade multiétnica, abordando também temas mais universais. Na instalação-representação de Simon Gush, Serenade, um carro da polícia local é colocado na entrada do velho edifício. A seguir, um actor vestido com um uniforme de polícia senta-se dentro do carro e canta “Can’t Take my Eyes off of You” através de altifalantes montados no tejadilho do carro. É muito estranho (e perturbador) ouvir um polícia cantar a melodiosa canção “I love you baby! And if it’s quite alright, I need you, baby!”.
The Black Passage de James Webb é um estreito corredor escuro em que o visitante caminha em direcção à origem de um ruído surdo – a descida para uma mina. No final, uma luz sugere uma porta meio fechada, mas quando lá chegamos descobrimos que não existe saída. É uma experiência chocante e surrealista de ir para o túnel da mina, mas também evoca uma ‘sem saída’, tanto física como psicologicamente.
Os vídeos de Ismail Farouk oferecem-nos uma representação interessante da vida nas cidades da África do Sul. Fotografias de Zanele Muholi mudam a atenção para a discriminação e questões de identidade da perspectiva racial, de género e sexual. Night Journey, de Colleen Alborough, uma instalação interactiva: um labirinto de cortinas em que o espectador se torna parte activa do percurso narrativo e sensorial dos sonhos e pesadelos de uma misteriosa personagem adormecida. As figuras de couro de Nandipha Mntambo atravessam a parede para descobrir o passado. Estas figuras estão ligadas simultaneamente ao carácter perturbador e agressivo dos animais sul-africanos e à elegância dos trajes do século XVIII.
Em resumo, a “nova arte sul-africana” deixou de estar associada exclusivamente ao apartheid, embora mantenha fortes características políticas e sociais. Os artistas da .ZA ilustram perfeitamente a condição de intelectuais numa situação periférica no novo mundo globalizado onde – apesar de tudo parecer estar perto e ser possível – as periferias continuam a ser periferias.
Sandra Federici

Um comentário:

Unknown disse...

Quando pensamos em África já pensamos em pobreza e o apartheid e ficamos presos só a isso. E com este post vemos que a Africa é muito grande e tem muita diversidade cultural e essa arte nos demonstra isto, muito legal o post, é bom ver o outro lado da africa.

Gabriel Fujita e João Aurélio